Pesquisar este blog

domingo, 11 de fevereiro de 2024

PROJETO VALHALLA Deficientes na música: quem disse que eles não podem?

 

Reportagem publicada na ed. # 25 da Revista Valhalla sobre não desistir

Texto e Pesquisa: Vagner Aguiar

Entrevistas: Marcio Baraldi

Cena 1: banda em ascensão lança disco que se torna um marco na carreira. Época em que dava tudo certo! Vários hits nas paradas, fama e dinheiro alcançados ainda na chamada “flor da idade”. Cena 2: o integrante mais jovem resolve tirar férias por conta própria. Dirigindo seu próprio veículo sofre um acidente em que lhe custa o braço esquerdo. Pronto, tudo foi por água abaixo, afinal ele era o baterista e como conseguiria tocar com apenas uma mão? Cena 3: “Eu vou voltar a tocar! Eu vou conseguir!”, diz o músico para seus companheiros de grupo para espanto geral, mesmo depois da tentativa frustrada de recolocar o membro, pois seu corpo não reagiu bem a operação. Porém, o álbum seguinte chegou ao primeiro lugar nas paradas, uma prova de que a luta e a força de vontade sempre vencem.

Carnaval de promoções na Amazon. Dá uma olhada, tem produtos com até 50% de desconto! Mas veja já porque é por tempo limitado, hein. Clique aqui e confira!

O estudo de caso acima se refere ao Def Leppard. Os LPs citados são Pyromania (83) e Hysteria (87), respectivamente. Claro que tratávamos do caso de Rick Allen. Isso tudo aconteceu no Reveillon de 1984 e é retratado no filme Histerya – The Def Leppard Story.

Allen não é um ato isolado na música e em se tratando de qualquer área profissional. Lembra de uma canção do conjunto alemão Helloween, do disco Better Than Raw (98), chamada “I Can”? Ela traz em seu refrão algo que ninguém deveria jamais esquecer: “I can make it all again/I don't wanna lose/I don't wanna go down”. Nunca desistir deve ser a expressão para melhor definir esses versos e todos os exemplos que o prezado leitor acompanhará a partir daqui. 

Não teria como iniciarmos sem antes nos lembrarmos do músico erudito alemão Ludwing van Beethoven (1770-1827), um dos mais importantes compositores do século XIX. Beethoven, filho de músico boêmio interessando em transformá-lo num menino-prodígio para poder explorá-lo mais tarde, mesmo depois de ficar surdo compôs obras maravilhosas, como a famigerada Nona Sinfonia.

Ian Dury & The Blockheads foi uma banda inglesa de Punk Rock cujo vocalista, o Ian Dury, sofria de poliomielite desde a infância. Porém, isto não o impediu de montar seus projetos, este conjunto inclusive, e cravar alguns hits no fim da década de 70, entre eles, “Sex, Drugs And Rock And Roll”, do primeiro álbum New Boots And Paties (77). Antes de morrer em março de 2000, Dury trabalhou em conjunto com a Unicef, sigla inglesa para Fundo das Nações Unidas para a Infância, em favor de doentes com câncer, doença, aliás, que também o acometeu.

O Lynryd Skynyrd sempre teve algo que marcou negativamente sua trajetória, apesar de ser um nome de respeito no cenário do Southern Rock. Fundado em 1964, o grupo perdeu de uma só vez três integrantes em um acidente aéreo ocorrido em outubro de 1977: o vocalista Ronnie van Zant, o guitarrista Steve Gaines e a irmã deste, a backing Cassie Gaines; além do empresário do conjunto. Isso levou o outro guitarrista, Allen Collins, a montar outros projetos. Depois de 11 anos, Collins ficou paralisado da cintura para baixo em virtude de um acidente automobilístico, no qual sua então namorada morreu. Três anos antes já havia perdido sua mulher. Em 87, uma turnê em tributo ao Lynryd Skynyrd teve o próprio Collins escolhendo o repertório, explicando sua situação atual e dando recados otimistas aos seus fãs no meio das apresentações. A pneumonia acabou por completo com o músico, que veio a falecer em janeiro de 1990.

Uma das pessoas do meio musical mais lembradas, inclusive em tributos, é Jason Becker. O guitarrista passou pelo Cacophony, ao lado de Marty Friedman (ex-Megadeth), e substituiu Steve Vai (solo, ex-Whitesnake) na banda solo de Dave Lee Roth (ex-Van Halen). Depois de gravar o terceiro álbum de Roth, A Little Ain’t Enough, Becker foi obrigado a abandonar o barco em virtude de uma esclerose lateral amiotrófica, que degenera o sistema neuro-motor. Com o tempo, seu corpo foi ficando paralisado. Entretanto, isso não o impediu de registrar seu segundo disco solo, sintomaticamente intitulado Perspective.

Falando um pouco do nosso país tropical, Arnaldo Baptista, fundador dos Mutantes – ao lado do irmão Sergio Dias e de Rita Lee – e da Patrulha do Espaço, após uma crise decorrente do abuso de drogas, em 1982, sem entender porque estava internado, tentou fugir pulando pela janela de seu quarto de hospital. O fato lhe condenou a vegetar eternamente, já que parte de sua massa encefálica ficou comprometida. Para nossa sorte, Baptista, acompanhado de sua mulher e recluso numa chácara, não só reaprendeu a fazer música como também pintura e desenho. Disco Voador (87) foi lançado pela Baratos Afins e significa um recomeço. Atualmente é possível encontrar um CD em parceria com o cantor Lobão nas bancas de jornal do país.

Falando em Patrulha do Espaço, onde Baptista permaneceu por apenas nove meses, Rolando Castelo Júnior (ex-Made In Brazil, Inox) é um exemplo de pessoa que além de ter tido “poliomielite aos dois anos de idade, o que afetou meu braço direito”, nos diz o baterista em exclusiva para a Valhalla, se adaptou à situação e levou “a vida normalmente, com exceção de uma ou outra cirurgia e fisioterapia”. “Quando resolvi tocar bateria não pensei que não poderia”, sentencia Júnior. Poucos dias após abrirem para o Van Halen no Ibirapuera, em 1983, o músico foi “baleado e um dos tiros atingiu a minha mão esquerda, me causando sérios danos”, explica. Entretanto nada disso bastou para fazê-lo parar e a Patrulha continua na ativa até hoje.

Marcelo Yuka e Herbet Vianna são casos que emocionaram o Brasil todo. Em novembro de 2000, o primeiro, que sempre lutou por um mundo justo em suas letras na banda O Rappa, na vontade de ajudar uma moça que estava sendo assaltada ao chegar em casa jogou seu carro contra os bandidos e levou a pior: oito tiros o atingiram e o deixaram paralítico. O batera não desistiu da música, apesar de não poder tocar mais seu instrumento, e passou a colaborar com outros artistas. Seus projetos sociais igualmente não pararam. No clipe da parceria entre O Rappa e o Sepultura, “Ninguém Regula A Améria”, ele aparece no início dizendo que gravar a canção com os mineiros “foi providencial”. Yuka deixou O Rappa no ano passado.

Já o segundo caiu com seu ultraleve, em fevereiro de 2001. No acidente, o guitarrista, vocalista e líder d’Os Paralamas do Sucesso perdeu sua mulher e os movimentos de suas pernas. Sua força de vontade fez até o que os médicos duvidavam, ou seja, voltar a tocar e cantar, mesmo que em uma cadeira de rodas.

Depois desses exemplos todos é preciso fazer reflexões: por que ainda assim há pessoas que ignoram quem tem problemas físicos? Será que não há um Beethoven, Arnaldo Baptista, Jason Becker, Rick Allen ou Ian Dury dentro de cada deficiente que sofre com o preconceito? A música ajudou nossos amigos a lutar e nos dar alegrias. É a vontade de viver, de trabalhar. Pense nisso! E para ajudá-lo a refletir conversamos com três pessoas que encaram a vida normalmente como qualquer outra. O resultado você pode ler em cada um dos três boxes nestas duas páginas. Dê uma oportunidade a eles.

“A sociedade não pensa no deficiente como cidadão” 

Para uma pessoa com problema físico vencer na vida é preciso batalhar zilhões de vezes a mais que uma “normal”. Entre outros motivos podemos citar preconceito e falta de oportunidade. Como escrito na matéria ao lado, qualquer indivíduo tem capacidade para alcançar seus objetivos e exemplo para isso não faltou no texto. Assim, não é preciso dar o peixe, mas dar a oportunidade de pescá-lo, como diz o ditado popular.

O primeiro motivo citado no parágrafo anterior é, provavelmente, o mais grave. Jackson Cristiano de Paula, portador de amiotrofia espinhal tipo dois, doença degenerativa que afeta sua musculatura, sofre preconceito três vezes: “por ser deficiente, roqueiro e roqueiro cristão”, denuncia o próprio. Mas isso nunca o desanimou, pois como nossos heróis, Jackson não fica parado e sempre se coloca à disposição do trabalho. E trabalho ligado ao Rock, já que “o melhor de tudo foi conhecer este estilo de cultura, de vida e de som”, organizando quatro edições do maior festival de White Metal do Brasil, o Rock In Concert (www.rockinconcert.com.br), o que o levou a fundar a produtora Heaven’s Music Produções (www.heavensshop.cjb.net) para eventos e empresariar bandas como Oráculo, Século I, Storm Master, Ressurex e outras, além de ministrar palestras.

Conheceu drogas e prostituição “que hoje servem de bagagem para lutar e ajudar as pessoas envolvidas nestas questões”, afirma Jackson. Como deve ter dado para perceber, o ex-empresário do Eterna acredita ser “um instrumento de Deus. Ele me mostrou o quanto sou útil e o quanto posso ajudar o próximo com meu trabalho”.

Recado aos promotores: “Já perdi muitos shows porque a ala reservada aos deficientes nas casas de espetáculos é a que tem o ingresso mais caro! Se tivesse acesso para deficientes nos setores mais baratos eu teria assistido a muito mais shows na minha vida”.

Como todos nós temos sonhos, este verdadeiro guerreiro também tem o seu, que “é conseguir um trabalho fixo para que eu possa manter minha família dignamente, já que o custo de vida de um deficiente é muito alto”. Nada mais justo.

Lembra das palestras mencionadas acima? Então, eis algo que Jackson tem a dizer: “Não importa sua situação financeira, social, cor, religião, jeito que se veste, opção sexual, você nunca vai ser nem pior nem melhor que ninguém, você apenas é diferente, pois você é único e isso te torna especial aos olhos do Criador. Lutem sempre pela dignidade de seus sonhos. Preservem sempre seu corpo da destruição que as drogas fazem, vivam a vida de um modo digno e real com muito Rock And Roll, lógico!

“Foi o Rock que me tirou das drogas”

Quando uma pessoa comete um equívoco, o mais fácil é condená-la pelo resto da vida. Difícil é conhecer alguém que lhe conceda uma segunda chance. E quanto a pessoa que errou, ela também precisa dar a si própria essa segunda, terceira, quarta... Foi mais ou menos assim com Eduardo Evans, vocalista do Contato Imediato, que toca pelas ruas de São Paulo as músicas de seu CD-Demo.

Criado em uma família que trabalhava no circo, Evans, além de exercer as nobres funções de “palhacinho” e trapezista, também possuía uma banda, onde tocava violão, juntamente com seu pai, na guitarra, e seu irmão, na bateria, para acompanhar os artistas que se apresentavam no seu local de trabalho. “Aos 15 anos”, conta como tudo ocorreu, “um assaltante baleou meu pai na porta do circo. Por instinto pulei em cima dele e fui baleado identicamente. Meu pai morreu e eu fiquei paraplégico”.

Evans lembra que nos primeiros 12 meses ficou revoltado e isolado, o que o levou às drogas. Quatro anos se passaram na autodestruição “até que parei sozinho, só com a fé em Deus. Sempre entendi que Deus havia me dado o Rock para ser minhas novas pernas”, esclarece o cantor.

Quando entendeu que a vida não é só ficar reclamando tudo mudou: “Recuperei a auto-estima e montei minha banda e as pessoas nos adoram! A ‘roqueirada’ (sic) nos ajuda e apóia muito e a ‘mulherada’ (sic) me dá presentes como flores e bombons”, completa nosso batalhador em meio a risos.

Claro que ele também já sofreu preconceito, inclusive de quem ele ajuda a pagar o salário, um motorista de ônibus que não o deixou subir ao veículo certa vez. Em outra situação embaraçosa, o pai de sua namorada proibiu que os dois continuassem a relação. “Mas ela me ama e me aceita do jeito que sou e nós vamos ser felizes de qualquer jeito”, conclui Evans.

Há quem ainda acha que “Rock é coisa de drogado, mas foi justamente ele que me tirou delas”, rasga o verbo o músico. “Hoje estou bem, não culpo mais ninguém pelo que me aconteceu. Só quero viver plenamente do meu grupo, gravar discos legais e fazer muitos shows”, diz Evans fazendo ponte para deixar sua mensagem aos leitores: “A música agora é minha missão, pois sei que não estou levando apenas uma boa canção para as pessoas, mas também um exemplo de luta, de coragem e amor pela vida. Enquanto eu tiver boa cabeça e pessoas boas ao meu redor serei sempre Eficiente, nunca DEficiente!

“A maior deficiência de um ser humano é a ignorância”

Toninho Iron é uma figurinha carimbada no meio Metal sem necessariamente ser músico, afinal ele é o presidente do fã-clube oficial do Sepultura. Até aí tudo bem, entretanto o que poucos sabem é que Toninho nasceu no interior de Pernambuco, “numa cidade muito pobre onde a saúde pública era muito precária e de difícil acesso”, nos conta. “Por causa disso fui acometido pela poliomielite aos cinco anos, pois não havia vacina tríplice no meu Estado. Fiquei, desde então, com a perna direita atrofiada, o que me obriga a caminhar com o auxilio de uma muleta”, revela Toninho para depois emendar uma com bom humor: “O que não me impede de levar uma vida normal. Só não posso correr, pular muros, praticar alpinismo e escalar o Monte Everest (N. do R.: O Monte Everest é o ponto mais alto do planeta Terra, com 8.848 m de altitude, e fica no Nepal/China)”.

O Sepultura entrou na vida do presidente já nos anos 80 mudando sua concepção sobre música pesada, que já conhecia há tempos graças ao trivial Aerosmith, Kiss, Iron Maiden e outros medalhões, assim como todos. “Minha religião é o Heavy Metal e minha Igreja é o Sepultura e minha família”, define Toninho para concluir a idéia: “Tudo que tenho devo a eles e quero me dedicar a ambos o máximo que puder. Foi a música, sobretudo o Metal, que abriu minha mente e me ensinou a respeitar a opinião alheia e a conquistar minha independência sem causar mal a ninguém”.

Preconceito, palavra que deveria ser execrada do dicionário, não o incomoda mais. “Hoje eu não dou mais a mínima, pois conheço meu caminho na vida e sei quem são meus verdadeiros amigos” afirma convictamente.

Autor da frase que intitula este box, Toninho também vê que “doença mesmo é a falsidade e não a deficiência física”. E fala a verdade, tendo uma “deusa e duas filhas maravilhosas” em sua vida para que reclamar? “Não consigo viver só do fã-clube e tenho que estar sempre fazendo free-lances por aí”, entrega, “mas minha dedicação ao Sepultura nunca dependeu nem dependerá de dinheiro. Fundei este, que é o primeiro e mais sólido fã-clube de uma banda de Metal nacional, puramente por respeito e por orgulho do Metal brasileiro e do Sepultura”.

Claro que ele não poderia nos deixar sem uma mensagem final: “Seja você mesmo, respeite os outros e não se preocupe com a opinião alheia, ela só tem valor quando dão valor à sua também! Longa vida a todos que têm dentro de si a luz da perseverança para lutar contra todos os obstáculos que porventura surjam no caminho”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário