Reportagem publicada na ed. # 25 da Revista Valhalla sobre não desistir
Texto e Pesquisa:
Vagner Aguiar
Entrevistas: Marcio
Baraldi
Cena
1: banda em ascensão lança disco que se torna um marco na carreira. Época em
que dava tudo certo! Vários hits nas paradas, fama e dinheiro alcançados ainda
na chamada “flor da idade”. Cena 2: o integrante mais jovem resolve tirar
férias por conta própria. Dirigindo seu próprio veículo sofre um acidente em
que lhe custa o braço esquerdo. Pronto, tudo foi por água abaixo, afinal ele
era o baterista e como conseguiria tocar com apenas uma mão? Cena 3: “Eu vou
voltar a tocar! Eu vou conseguir!”, diz o músico para seus
companheiros de grupo para espanto geral, mesmo depois da tentativa frustrada
de recolocar o membro, pois seu corpo não reagiu bem a operação. Porém, o álbum
seguinte chegou ao primeiro lugar nas paradas, uma prova de que a luta e a
força de vontade sempre vencem.
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O
estudo de caso acima se refere ao Def Leppard. Os LPs citados são Pyromania
(83) e Hysteria (87), respectivamente. Claro que tratávamos do caso de
Rick Allen. Isso tudo aconteceu no Reveillon de 1984 e é retratado no filme Histerya
– The Def Leppard Story.
Allen
não é um ato isolado na música e em se tratando de qualquer área profissional.
Lembra de uma canção do conjunto alemão Helloween, do disco Better Than Raw
(98), chamada “I Can”? Ela traz em seu refrão algo que ninguém deveria jamais
esquecer: “I can make it all again/I don't wanna lose/I don't wanna go down”.
Nunca desistir deve ser a expressão para melhor definir esses versos e todos os
exemplos que o prezado leitor acompanhará a partir daqui.
Não teria como
iniciarmos sem antes nos lembrarmos do músico erudito alemão Ludwing van
Beethoven (1770-1827), um dos mais importantes compositores do século XIX.
Beethoven, filho de músico boêmio interessando em transformá-lo num
menino-prodígio para poder explorá-lo mais tarde, mesmo depois de ficar surdo
compôs obras maravilhosas, como a famigerada Nona Sinfonia.
Ian
Dury & The Blockheads foi uma banda inglesa de Punk Rock cujo vocalista, o
Ian Dury, sofria de poliomielite desde a infância. Porém, isto não o impediu de
montar seus projetos, este conjunto inclusive, e cravar alguns hits no fim da
década de 70, entre eles, “Sex, Drugs And Rock And Roll”, do primeiro álbum New
Boots And Paties (77). Antes de morrer em março de 2000, Dury trabalhou em
conjunto com a Unicef, sigla inglesa para Fundo das Nações Unidas para a
Infância, em favor de doentes com câncer, doença, aliás, que também o acometeu.
O Lynryd Skynyrd sempre teve algo que marcou negativamente sua
trajetória, apesar de ser um nome de respeito no cenário do Southern Rock.
Fundado em 1964, o grupo perdeu de uma só vez três integrantes em um acidente
aéreo ocorrido em outubro de 1977: o vocalista Ronnie van Zant, o guitarrista
Steve Gaines e a irmã deste, a backing Cassie Gaines; além do empresário do
conjunto. Isso levou o outro guitarrista, Allen Collins, a montar outros
projetos. Depois de 11 anos, Collins ficou paralisado da cintura para baixo em
virtude de um acidente automobilístico, no qual sua então namorada morreu. Três
anos antes já havia perdido sua mulher. Em 87, uma turnê em tributo ao Lynryd
Skynyrd teve o próprio Collins escolhendo o repertório, explicando sua situação
atual e dando recados otimistas aos seus fãs no meio das apresentações. A
pneumonia acabou por completo com o músico, que veio a falecer em janeiro de
1990.
Uma
das pessoas do meio musical mais lembradas, inclusive em tributos, é Jason
Becker. O guitarrista passou pelo Cacophony, ao lado de Marty Friedman
(ex-Megadeth), e substituiu Steve Vai (solo, ex-Whitesnake) na banda solo de
Dave Lee Roth (ex-Van Halen). Depois de gravar o terceiro álbum de Roth, A
Little Ain’t Enough, Becker foi obrigado a abandonar o barco em virtude de
uma esclerose lateral amiotrófica, que degenera o sistema neuro-motor. Com o
tempo, seu corpo foi ficando paralisado. Entretanto, isso não o impediu de
registrar seu segundo disco solo, sintomaticamente intitulado Perspective.
Falando
um pouco do nosso país tropical, Arnaldo Baptista, fundador dos Mutantes – ao
lado do irmão Sergio Dias e de Rita Lee – e da Patrulha do Espaço, após uma
crise decorrente do abuso de drogas, em 1982, sem entender porque estava
internado, tentou fugir pulando pela janela de seu quarto de hospital. O fato
lhe condenou a vegetar eternamente, já que parte de sua massa encefálica ficou
comprometida. Para nossa sorte, Baptista, acompanhado de sua mulher e recluso
numa chácara, não só reaprendeu a fazer música como também pintura e desenho. Disco
Voador (87) foi lançado pela Baratos Afins e significa um recomeço.
Atualmente é possível encontrar um CD em parceria com o cantor Lobão nas bancas
de jornal do país.
Falando
em Patrulha do Espaço, onde Baptista permaneceu por apenas nove meses, Rolando
Castelo Júnior (ex-Made In Brazil, Inox) é um exemplo de pessoa que além de ter
tido “poliomielite aos dois anos de idade, o que afetou meu braço direito”,
nos diz o baterista em exclusiva para a Valhalla, se adaptou à situação e levou
“a vida normalmente, com exceção de uma ou outra cirurgia e fisioterapia”.
“Quando resolvi tocar bateria não pensei que não poderia”, sentencia
Júnior. Poucos dias após abrirem para o Van Halen no Ibirapuera, em 1983, o
músico foi “baleado e um dos tiros atingiu a minha mão esquerda, me causando
sérios danos”, explica. Entretanto nada disso bastou para fazê-lo parar e a
Patrulha continua na ativa até hoje.
Marcelo
Yuka e Herbet Vianna são casos que emocionaram o Brasil todo. Em novembro de
2000, o primeiro, que sempre lutou por um mundo justo em suas letras na banda O
Rappa, na vontade de ajudar uma moça que estava sendo assaltada ao chegar em
casa jogou seu carro contra os bandidos e levou a pior: oito tiros o atingiram
e o deixaram paralítico. O batera não desistiu da música, apesar de não poder
tocar mais seu instrumento, e passou a colaborar com outros artistas. Seus
projetos sociais igualmente não pararam. No clipe da parceria entre O Rappa e o
Sepultura, “Ninguém Regula A Améria”, ele aparece no início dizendo que gravar
a canção com os mineiros “foi providencial”. Yuka deixou O Rappa no ano
passado.
Já
o segundo caiu com seu ultraleve, em fevereiro de 2001. No acidente, o
guitarrista, vocalista e líder d’Os Paralamas do Sucesso perdeu sua mulher e os
movimentos de suas pernas. Sua força de vontade fez até o que os médicos
duvidavam, ou seja, voltar a tocar e cantar, mesmo que em uma cadeira de rodas.
Depois desses exemplos todos é preciso fazer reflexões: por que ainda
assim há pessoas que ignoram quem tem problemas físicos? Será que não há um
Beethoven, Arnaldo Baptista, Jason Becker, Rick Allen ou Ian Dury dentro de
cada deficiente que sofre com o preconceito? A música ajudou nossos amigos a
lutar e nos dar alegrias. É a vontade de viver, de trabalhar. Pense nisso! E
para ajudá-lo a refletir conversamos com três pessoas que encaram a vida
normalmente como qualquer outra. O resultado você pode ler em cada um dos três
boxes nestas duas páginas. Dê uma oportunidade a eles.
“A sociedade não
pensa no deficiente como cidadão”
Para
uma pessoa com problema físico vencer na vida é preciso batalhar zilhões de
vezes a mais que uma “normal”. Entre outros motivos podemos citar preconceito e
falta de oportunidade. Como escrito na matéria ao lado, qualquer indivíduo tem
capacidade para alcançar seus objetivos e exemplo para isso não faltou no
texto. Assim, não é preciso dar o peixe, mas dar a oportunidade de pescá-lo,
como diz o ditado popular.
O
primeiro motivo citado no parágrafo anterior é, provavelmente, o mais grave.
Jackson Cristiano de Paula, portador de amiotrofia espinhal tipo dois, doença
degenerativa que afeta sua musculatura, sofre preconceito três vezes: “por
ser deficiente, roqueiro e roqueiro cristão”, denuncia o próprio. Mas isso
nunca o desanimou, pois como nossos heróis, Jackson não fica parado e sempre se
coloca à disposição do trabalho. E trabalho ligado ao Rock, já que “o melhor
de tudo foi conhecer este estilo de cultura, de vida e de som”, organizando
quatro edições do maior festival de White Metal do Brasil, o Rock In Concert
(www.rockinconcert.com.br), o que o levou a fundar a produtora Heaven’s Music
Produções (www.heavensshop.cjb.net) para eventos e empresariar bandas como
Oráculo, Século I, Storm Master, Ressurex e outras, além de ministrar
palestras.
Conheceu
drogas e prostituição “que hoje servem de bagagem para lutar e ajudar as
pessoas envolvidas nestas questões”, afirma Jackson. Como deve ter dado
para perceber, o ex-empresário do Eterna acredita ser “um instrumento de
Deus. Ele me mostrou o quanto sou útil e o quanto posso ajudar o próximo com
meu trabalho”.
Recado aos promotores: “Já perdi muitos shows porque a ala reservada
aos deficientes nas casas de espetáculos é a que tem o ingresso mais caro! Se
tivesse acesso para deficientes nos setores mais baratos eu teria assistido a
muito mais shows na minha vida”.
Como
todos nós temos sonhos, este verdadeiro guerreiro também tem o seu, que “é
conseguir um trabalho fixo para que eu possa manter minha família dignamente,
já que o custo de vida de um deficiente é muito alto”. Nada mais justo.
Lembra
das palestras mencionadas acima? Então, eis algo que Jackson tem a dizer: “Não
importa sua situação financeira, social, cor, religião, jeito que se veste,
opção sexual, você nunca vai ser nem pior nem melhor que ninguém, você apenas é
diferente, pois você é único e isso te torna especial aos olhos do Criador.
Lutem sempre pela dignidade de seus sonhos. Preservem sempre seu corpo da
destruição que as drogas fazem, vivam a vida de um modo digno e real com muito
Rock And Roll, lógico!”
“Foi o Rock que me
tirou das drogas”
Quando
uma pessoa comete um equívoco, o mais fácil é condená-la pelo resto da vida.
Difícil é conhecer alguém que lhe conceda uma segunda chance. E quanto a pessoa
que errou, ela também precisa dar a si própria essa segunda, terceira,
quarta... Foi mais ou menos assim com Eduardo Evans, vocalista do Contato
Imediato, que toca pelas ruas de São Paulo as músicas de seu CD-Demo.
Criado
em uma família que trabalhava no circo, Evans, além de exercer as nobres
funções de “palhacinho” e trapezista, também possuía uma banda, onde tocava
violão, juntamente com seu pai, na guitarra, e seu irmão, na bateria, para
acompanhar os artistas que se apresentavam no seu local de trabalho. “Aos 15
anos”, conta como tudo ocorreu, “um assaltante baleou meu pai na porta
do circo. Por instinto pulei em cima dele e fui baleado identicamente. Meu pai
morreu e eu fiquei paraplégico”.
Evans
lembra que nos primeiros 12 meses ficou revoltado e isolado, o que o levou às
drogas. Quatro anos se passaram na autodestruição “até que parei sozinho, só
com a fé em Deus. Sempre entendi que Deus havia me dado o Rock para ser minhas
novas pernas”, esclarece o cantor.
Quando
entendeu que a vida não é só ficar reclamando tudo mudou: “Recuperei a
auto-estima e montei minha banda e as pessoas nos adoram! A ‘roqueirada’ (sic)
nos ajuda e apóia muito e a ‘mulherada’ (sic) me dá presentes como flores
e bombons”, completa nosso batalhador em meio a risos.
Claro
que ele também já sofreu preconceito, inclusive de quem ele ajuda a pagar o
salário, um motorista de ônibus que não o deixou subir ao veículo certa vez. Em
outra situação embaraçosa, o pai de sua namorada proibiu que os dois
continuassem a relação. “Mas ela me ama e me aceita do jeito que sou e nós
vamos ser felizes de qualquer jeito”, conclui Evans.
Há
quem ainda acha que “Rock é coisa de drogado, mas foi justamente ele que me
tirou delas”, rasga o verbo o músico. “Hoje estou bem, não culpo mais
ninguém pelo que me aconteceu. Só quero viver plenamente do meu grupo, gravar
discos legais e fazer muitos shows”, diz Evans fazendo ponte para deixar
sua mensagem aos leitores: “A música agora é minha missão, pois sei que não
estou levando apenas uma boa canção para as pessoas, mas também um exemplo de
luta, de coragem e amor pela vida. Enquanto eu tiver boa cabeça e pessoas boas
ao meu redor serei sempre Eficiente, nunca DEficiente!”
“A maior
deficiência de um ser humano é a ignorância”
Toninho Iron é uma figurinha carimbada no meio Metal sem necessariamente
ser músico, afinal ele é o presidente do fã-clube oficial do Sepultura. Até aí
tudo bem, entretanto o que poucos sabem é que Toninho nasceu no interior de
Pernambuco, “numa cidade muito pobre onde a saúde pública era muito precária
e de difícil acesso”, nos conta. “Por causa disso fui acometido pela
poliomielite aos cinco anos, pois não havia vacina tríplice no meu Estado.
Fiquei, desde então, com a perna direita atrofiada, o que me obriga a caminhar
com o auxilio de uma muleta”, revela Toninho para depois emendar uma com
bom humor: “O que não me impede de levar uma vida normal. Só não posso
correr, pular muros, praticar alpinismo e escalar o Monte Everest (N. do
R.: O Monte Everest é o ponto mais alto do planeta Terra, com 8.848 m de
altitude, e fica no Nepal/China)”.
O Sepultura entrou na vida do presidente já nos anos 80 mudando sua
concepção sobre música pesada, que já conhecia há tempos graças ao trivial
Aerosmith, Kiss, Iron Maiden e outros medalhões, assim como todos. “Minha
religião é o Heavy Metal e minha Igreja é o Sepultura e minha família”,
define Toninho para concluir a idéia: “Tudo que tenho devo a eles e quero me
dedicar a ambos o máximo que puder. Foi a música, sobretudo o Metal, que abriu
minha mente e me ensinou a respeitar a opinião alheia e a conquistar minha
independência sem causar mal a ninguém”.
Preconceito, palavra que deveria ser execrada
do dicionário, não o incomoda mais. “Hoje eu não dou mais a mínima, pois
conheço meu caminho na vida e sei quem são meus verdadeiros amigos” afirma
convictamente.
Autor da frase que intitula este box, Toninho também vê que “doença
mesmo é a falsidade e não a deficiência física”. E fala a verdade, tendo
uma “deusa e duas filhas maravilhosas” em sua vida para que reclamar? “Não
consigo viver só do fã-clube e tenho que estar sempre fazendo free-lances por
aí”, entrega, “mas minha dedicação ao Sepultura nunca dependeu nem
dependerá de dinheiro. Fundei este, que é o primeiro e mais sólido fã-clube de
uma banda de Metal nacional, puramente por respeito e por orgulho do Metal
brasileiro e do Sepultura”.
Claro que ele não poderia nos deixar sem uma mensagem final: “Seja
você mesmo, respeite os outros e não se preocupe com a opinião alheia, ela só
tem valor quando dão valor à sua também! Longa vida a todos que têm dentro de
si a luz da perseverança para lutar contra todos os obstáculos que porventura
surjam no caminho”.