(FOTOS: DIVULGAÇÃO) Imago Mortis toca em Indaial (SC) dia 8 |
IPA
Conforme prometido, segue a entrevista que a banda de doom metal carioca Imago Mortis concedeu ao extinto site Stormblast, que eu e meu amigo jornalista dos tempos de faculdade Marcello Silva mantínhamos no início dos anos 2.000. O motivo dessa abertura de arquivo é a presença do grupo no festival River Rock, em Indaial, que rola entre os dias 7 e 9 de setembro, ao lado de Sepultura e Blues Etílicos e mais cerca de 40 nomes do rock de todas as vertentes.
Como a entrevista é antiga, de 2.002, lógico que Fábio Barretto não fez a tradicional relação banda/cerveja, que é tradição no SP&BC, mas eu já apontei aqui qual acredito ser a melhor opção para acompanhar esse som, ou seja, a boa e velha IPA. Divirta-se com o resgate.
A banda carioca Imago Mortis estreou em disco com “Images From The Shady
Gallery”, em 1.998. De lá para cá, Fábio Barretto, baixo, Alex Voorhess, vocal,
Fabrício Lopes, guitarra, Alex Guimarães, teclado e André Delacroix, bateria,
seguem conquistando seu espaço.
A
participação no álbum “William Shakespeare’s Hamlet”, projeto da Die Hard
Recors, atual selo do quinteto, foi um ponto alto. Mas, sem dúvida, o novo
trabalho, “Vida: The Play Of Change” vai dar o que falar. Nada melhor que o
próprio grupo fale a respeito de sua carreira e do novo disco e para isso
batemos um papo com Fábio Barretto.
O primeiro álbum do Imago Mortis é
de 1.998. Como se explica ele estar entre os melhores discos dos anos de
1.997, 1.998 e 1.999 em várias revistas?
FABIO
BARRETTO: Este episódio de
nosso disco ter saído durante três anos nas listas de melhores do ano foi algo
realmente curioso, é um fato que só pode nos deixar orgulhosos, quer dizer,
isto mostra que a galera gostou mesmo do CD. O Images... foi citado na lista
de melhores de 1.997 da “Rock Press” pela votação da redação. Isto ocorreu porque,
embora este CD só tenha saído na segunda metade do ano seguinte por um atraso
da gravadora, ele estava previsto para ser lançado em dezembro de 1.997 e algumas
pessoas da imprensa já tinham escutado a master. Já em 1.998, que foi realmente o
ano do lançamento, entramos nas listas de melhores do ano pela “Roadie Crew”,
“Rock Brigade” e “Showbizz”. Uma grande surpresa que tivemos foi que o Images... foi citado como um dos melhores de 1.998 também pela revista grega
“Invader”, isto foi realmente um presente e tanto para nós... Já em 1.999 saímos
na lista da “Metalhead”, não sei explicar como isso aconteceu, acho que a
galera votou e o pessoal da redação aceitou, talvez por não termos entrado na
lista deles em 1.998... Bom, o importante é que só temos a agradecer por isto!
Como foi a repercussão do trabalho
de vocês no projeto Hamlet?
FABIO: Cara, foi maravilhosa... Desde o início, quando
recebemos o convite para participar do Hamlet, ficamos absolutamente
apaixonados pelo projeto. É claro que mergulhamos fundo para compor uma música
à altura, procuramos absorver cada detalhe da tragédia de Hamlet, sentir a
personalidade de cada personagem, captar os simbolismos ocultos na história...
A nossa música, Prayers in the Wind, marca um momento que considero
especialmente dramático no Hamlet, que é quando o Rei Claudio, que tramou o
assassinato do próprio irmão para usurpar a coroa da Dinamarca, finalmente
enxerga a vilania de seus atos e percebe que não há salvação para seus pecados.
Esta é uma música sobre um vilão diante do espelho, e nós procuramos realmente
nos colocar na pele do vilão, tentar sentir o que ele sentiu e traduzir isto em
música. Quer dizer, esta música, como tudo o que fazemos, está impregnada de
paixão, o nosso sangue está em cada nota, e isto acaba sendo passado para as
pessoas de alguma forma. A receptividade que obtivemos com a Prayers in the
Wind não poderia ter sido melhor.
Normalmente conversar com pessoas
que passam por algum problema de saúde, ou até alguma deficiência física, é
muito difícil, pois muitas se sentem constrangidas com o fato. Foi muito
complicado fazer a pesquisa para o tema do novo CD?
FABIO: Neste disco nós procuramos traduzir em música a
experiência de um encontro com a morte. Para conseguir isto, é claro que foi
necessário pesquisar muito, estudar muito e, principalmente, pensar muito sobre
a morte. Pode acreditar em mim, esta não é uma tarefa nada fácil. É como diz a
frase do Nietzsche [N. R.: Friedrich Nietzche, filósofo alemão, 1844-1900]:
“Se você olhar dentro do abismo, o abismo olhará dentro de você”. Quer dizer,
isto não é algo que se faça de uma forma leviana, foi um trabalho que envolveu
muita reflexão e seriedade. Foi muito bom você ter feito essa pergunta, pois
assim podemos esclarecer melhor este assunto. Para fazer este disco, nós
estudamos sobre pacientes portadores de doenças terminais, e até chegamos a ter
contato com algumas pessoas que hoje, infelizmente, não estão mais entre nós.
Mas este contato foi meramente um contato entre seres humanos, todos igualmente
fadados a desaparecer algum dia. Nós jamais iríamos chegar para uma pessoa
gravemente enferma e perguntar como é estar morrendo, ou algo assim, como se
estivéssemos fazendo um trabalho pro colégio... isto seria algo indigno,
exatamente o oposto do que buscamos construir com este disco. Esta compreensão
racional do que significa estar morrendo pode ser adquirida através da leitura,
há toneladas de livros sobre este assunto. Mas há também uma compreensão
emocional da morte, que não se obtém através de livros ou fazendo perguntas...
foi este tipo de compreensão que nós buscamos no contato com estas pessoas,
pois a emoção é justamente o que é mais importante transmitir numa música.
Banda passou um tempo parada |
Vida é um disco conceitual. O
“trampo” que dá para fazer um disco assim é proporcional à satisfação por ele
estar pronto?
FABIO: Cara, falando de uma forma muito honesta, acho que é
mais adequado falar em alívio que em satisfação. É claro que há muita
satisfação envolvida também, quando vemos o CD pronto, com uma produção tão
esmerada, realmente é algo como a concretização de um sonho. Mas acho que o
sentimento principal é de alívio, sinto que uma etapa foi cumprida, uma missão
foi levada a cabo, uma longa jornada chegou ao fim. Quando começamos a fazer
este disco, nem de longe suspeitávamos que as coisas iriam caminhar desta
forma, as idéias foram surgindo de forma torrencial, a ponto de virar quase uma
obsessão... Quando penso neste assunto, lembro do que disse Herman Hesse a
respeito de um de seus melhores livros, “Viagem ao Oriente”: “Ou eu escrevia
este livro ou ficava louco”... Por isto a sensação de alívio, o “Vida” saiu e
eu não fiquei louco. Ou, pelo menos, não fiquei mais louco...
Você acha que as pessoas podem
sentir mais dificuldade em entender um trabalho conceitual?
FABIO: No caso do “Vida”, não, de forma alguma. Ao
contrário, acho que é muito fácil compreender a essência deste álbum. A nossa
maior preocupação, durante a composição do “Vida”, foi a de deixar clara a
mensagem. É claro que existem obras ditas conceituais que realmente são
difíceis e até mesmo impossíveis de se compreender, mas acho que isto acontece
porque algumas pessoas têm a concepção errônea de que quanto mais obscuro e
confuso for um trabalho, mais “artístico” ele será. Em minha opinião, a arte
acontece quando ocorre uma comunicação “entre corações”, entre o coração do
artista e o coração de uma outra pessoa diante de sua obra. Este não é um papel
meramente passivo, é claro, a pessoa precisa entrar com os seus conteúdos, é
necessário algum “esforço” para desvendar a obra. Mas no caso particular da
música, este processo é imensamente facilitado, porque a música penetra no
corpo primeiro, e só depois vai para a cabeça. É óbvio que há muitos conteúdos
e simbolismos secundários em um trabalho como o “Vida”, mas para que alguém
possa “entender” a essência deste álbum, basta colocar no CD player e deixar
rolar...
De quem foi a idéia do jogo The
Play of Change? É possível explicá-lo?
FABIO: Este jogo foi concebido e escrito por mim e pelo
Fabrício. “The Play of Change” é uma faixa multimídia onde cada uma das músicas
do “Vida” foi representada por uma carta, tal como no Tarot. O jogo pode ser
dividido em duas partes, basicamente. Na primeira parte, o jogador sorteia seis
dentre as cartas, construindo desta forma uma versão diferente para a história
contada no “Vida”. Algumas versões possuem apenas diferenças sutis, outras são
radicalmente diferentes... Existem ao todo 2.985.984 combinações, ou seja, são
quase três milhões de maneiras diferentes de contar a mesma história, que é a
história de um encontro com a morte. A segunda parte do jogo começa com o final
da história, pois ao sortear as seis cartas o jogador está ao mesmo tempo
montando um hexagrama do I Ching, que responderá a uma pergunta feita no início
do jogo. É possível fazer perguntas sobre o presente ou sobre o futuro,
envolvendo questões pessoais ou mesmo assuntos coletivos, e a resposta é dada
por um oráculo do I Ching, que é o mais antigo método divinatório conhecido.
A capa de Vida é muito bonita.
Existe algum conceito nela?
FABIO: Acho que a simplicidade é o grande trunfo desta capa.
Ela é super direta, mas não se esgota em uma primeira olhada, muito pelo
contrário. Dá para fazer inúmeras associações entre a criança, o título do
disco, o logo da banda e a caveira ao fundo... Eu até prefiro não explicitar
nenhum conceito, pois acho muito mais enriquecedor que cada um faça suas
próprias associações.
A idéia da ilustração foi da banda?
FABIO: Quem fez toda a parte visual foi o Rodrigo Cruz, que
é realmente um artista fantástico e que se mostrou inspiradíssimo neste
trabalho. Nós enviamos as letras e algumas idéias básicas para o Cruz, tais
como os elementos que queríamos que entrassem em cada carta etc., mas o mérito
maior foi completamente dele, pois ele soube realmente absorver e traduzir em
imagens o conceito do “Vida”. Quanto à capa propriamente, foi um processo super
coletivo, ficamos entre duas versões bastante diferentes, ambas igualmente
bonitas, e todos deram sua opinião, desde o pessoal da Die Hard até os amigos e
vizinhos! Ao final acabamos optando por esta. Cada vez mais vejo que fizemos a
escolha acertada.
Sabemos que o MP3 é uma tendência. Mas você sabe me dizer se os fãs de bandas de heavy metal nacional deixam
de comprar os álbuns dos artistas brasileiros em favor da troca de arquivos?
FABIO: Esta é uma tendência mundial, mas acredito que o
heavy metal é menos afetado que outros estilos “da moda”, tais como pagode,
funk etc. Os fãs de heavy metal são os mais fiéis, e acredito que há uma
consciência maior no sentido de não prejudicar as bandas. Mas certamente o MP3
é algo que veio para ficar, por isto mesmo colocamos três músicas do CD em
nosso site, pois isto acaba divulgando o trabalho da banda, mais pessoas podem
conferir o som e decidir se vale a pena ou não comprar o CD.
Por que o hiato tão grande entre Images From The Shady
Gallery e Vida: The Play Of Change?
FABIO: Acho que levamos o tempo necessário para lançar o
segundo CD, nem mais nem menos. No logotipo do Imago utilizamos o símbolo de
Plutão, não somente por sua beleza, mas também por seu simbolismo, que é muito
rico. Plutão é o Senhor dos Mortos na mitologia greco-romana e, na astrologia,
o planeta que representa a morte e a destruição. Um ano de Plutão equivale a
mais de duzentos anos terrestres, e é justamente por este motivo que a sua
influência é tão significativa. Enquanto a Lua ou Mercúrio, por exemplo,
influenciam modas ou humores passageiros, a influência de Plutão se estende por
toda uma geração.